Quando nos sentamos para conversar com o Dr. Kamol Pansitum sobre sua vida e trabalho, era uma tarde abafada de domingo. O período de chuvas em Bangkok havia acabado de começar. Mas quando o Dr. Kamol entrou, sua aparência estava enxuta e esbanjava frescor. Ela refletia o caráter desse cirurgião plástico mundialmente famoso, pioneiro em técnicas e métodos cirúrgicos que o tornaram um dos mais procurados médicos de cirurgia de readequação sexual em todo o mundo.
Como regra geral, o Dr. Kamol costuma reservar o domingo para passar o dia com sua família, um tempo para descansar de sua agenda repleta de cirurgias e tratamentos que realiza durante a semana. No entanto, neste domingo em particular foi diferente, pois ele resolveu dar uma olhada em como está seu hospital e visitar seus pacientes e equipe, a qual vê como uma família também.
Se você está tendo a impressão que a família significa muito para ele, você tem razão. Ele trabalha junto a sua esposa, Siripen, que desenhou e agora dirige o hospital. Além de sua família direta em Bangkok, ele teve a influência de seus pais e irmãos quando estava crescendo.
Dr. Kamol vem de uma pequena vila na província de Nong Khai, localizada ao longo do rio Mekong e do outro lado da fronteira do Vientiana, em Laos. Seu pai era professor de Ensino Médio, seu irmão mais novo se tornou engenheiro, enquanto uma de suas irmãs se tornou enfermeira. Outra irmã acabou por cuidar dos negócios da família. Um grupo muito inteligente e perspicaz.
Foi enquanto crescia que Kamol recebeu algumas lições importantes sobre a vida. Ele é, evidentemente, um homem de talento. Além de suas habilidades como cirurgião, ele é um artista talentoso, desenhando e fotografando em seu tempo livre. Mas o mundo tem muitas pessoas que nunca cumpriram suas promessas, o que não é o seu caso. Quando era um jovem estudante, ele viveu um dos períodos mais traumáticos da História do Sudeste Asiático. A guerra do Vietnã estava próxima do fim, assim como os conflitos menos conhecidos entre Laos e Camboja. Com a tomada desses países pelo comunismo, o jovem Kamol testemunhou pessoalmente massas de pessoas serem expulsas de suas terras. Refugiados do Khmer Vermelho no Camboja chegaram à fronteira oriental da Tailândia. E onde Kamol vivia, no Nordeste, pessoas fugiam esperando o fim da guerra com o Laos cruzando o rio Mekong para se abrigarem em campos de refugiados em Nong Khai e outras províncias tailandesas. O jovem garoto viu em primeira mão que a vida carrega perigos imprevisíveis que podem atrapalhar os melhores planos. “A incerteza de viver me impressionou”, diz ele agora, “e isso mudou minha visão sobre a vida.” Era melhor estar preparado para o que viesse a acontecer. E a maneira de alcançar isso era aprender, ser educado e, acima de tudo, ser persistente.
Esses pensamentos deveriam estar em sua mente quando pedalava sua bicicleta para ir e voltar da escola, vinte quilômetros todos os dias, por estradas sem asfalto que se tornavam um pálido atoleiro durante a estação chuvosa e um forno empoeirado durante o verão tailandês, do final de março até maio. Apenas alguns anos depois, ele levou as lições que aprendeu sobre a vida e as aplicou quando estudou na Universidade Khon Kaen. A vida na universidade incluiu cursos intensivos em ciência e o que era equivalente aos estudos introdutórios em medicina no Estados Unidos e Canadá. Uma vez graduado, Kamol ingressou na faculdade de medicina de Bangkok, na Universidade Chulalongkorn, que geralmente é considerada a principal instituição de ensino superior da Tailândia.
E foi no Hospital Universitário de Chulalongkorn que Kamol encontrou sua futura esposa, Siripen. Ele fazia residência em cirurgia geral. Ela, formada em farmácia na Universidade Chiang Mai, trabalhava para uma empresa farmacêutica. Eles se casaram em 1992. E, logo após, o casamento também se tornou uma parceria médica, quando os dois começaram a trabalhar juntos.
Ao longo dos anos, a parceria entre os dois permitiu que se complementasse. O talento dela para organização e administração deu ao jovem cirurgião a oportunidade de continuar a aprender e crescer em sua especialidade. Logo o dr. Kamol se tornou um cirurgião plástico amplamente respeitado. E seu trabalho contínuo nesta área enfim lhe permitiu ter uma profunda especialização em cirurgia de confirmação de gênero. Hoje, o Kamol Hospital não apenas alcançou uma reputação mundialmente reconhecida por seus avanços bem-sucedidos em cirurgias para homens e mulheres trans, mas também cresce como uma instituição para promover o trabalho em novas técnicas cirúrgicas para pessoas transgêneras. Novas gerações de jovens médicos e cirurgiões estão vindo para o Kamol para aprender sua abordagem e treinar para o futuro.
Mas no coração de tudo estão os pacientes que o dr. Kamol e sua equipe atendem. Segundo ele, os pacientes apenas procuram aproveitar o que todo mundo faz. A maioria dos seus pacientes, ele observa, são “apenas pessoas comuns que gostariam de se sentir confortáveis e confiantes para ser quem realmente são.” Alguns outros, no entanto, tem procurado o dr. Kamol para melhorar suas carreiras na mídia, no cinema e entretenimento. Isto apenas mostra que há um amplo espectro de pessoas que encontram satisfação com seus esforços. Uma coisa, acima de tudo, é verdade, não se pode marcar as pessoas que procuram a cirurgia de confirmação de gênero. Cada uma tem seus próprios motivos. E elas têm histórias pessoais de como finalmente chegaram ao Kamol Hospital para encontrar a felicidade dentro de si mesmas.
Por ver que seu trabalho é tão satisfatório enquanto, ao mesmo tempo, há muita demanda, o dr. Kamol, sempre trabalhando com sua esposa, iniciou os planos de expansão da estrutura e dos serviços do hospital. Um novo prédio com 68 apartamentos foi construído próximo ao hospital, tornando, assim, mais fácil para os pacientes o período de recuperação de duas ou três semanas.
Quanto a si mesmo, o Dr. Kamol tem uma visão para o futuro também. Ele nunca se considerou professor, mas ele deseja que o Kamol Hospital se mantenha como vanguarda na cirurgia de confirmação de gênero. Isso significa treinar mais funcionários, selecionar médicos e cirurgiões para cargos seniores e continuar como um espaço em que sempre há lugar para aprendizado. Foi assim que ele chegou onde está hoje. “Tudo depende de como você pensa”, ele acredita. “Você pode ter cem doutores que conhecem um problema e podem consertá-lo. Mas noventa e nove deles se recusam a fazer alguma coisa a respeito, porque é problemático fazê-lo. É uma dor de cabeça. Mas eu sempre olho para fora da caixa e tento consertar algo, se eu puder.”
No final das contas, o Dr. Kamol acha que deve reunir pessoas ao seu redor com diferentes técnicas e abordagens para assim aprenderem uns com os outros. Fazer mudanças que beneficiam os pacientes e “estar determinado em resolver problemas.” Era nisso em que o jovem estudante pensava enquanto ia de bicicleta para a escola na Tailândia rural. Todos esses anos depois, ainda é uma lição pela qual vale a pena viver